quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Entrevista com Ernesto Milá

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Ernesto Milá é um jornalista e escritor espanhol, autor de várias obras. O seu livro “Identidade, patriotismo e enraizamento no século XXI” foi recentemente traduzido para português e publicado no nosso país pela editora Contra-corrente. Esteve em Lisboa para a apresentação deste seu trabalho.

Qual é a ideia fundamental deste livro e qual é o seu objectivo?
Quero dizer, em primeiro lugar, que não sou um doutrinador, nem ideólogo, mas jornalista e escritor. Interessa-me o mundo das ideias e sinto-me tributário das ideias tradicionalistas de Julius Evola e René Guénon e das ideias da Nova Direita francesa, da mesma maneira reconheço um tributo devido à obra dos pensadores nacionais-sindicalistas espanhóis, especialmente José Antonio Primo de Rivera e Ramiro Ledesma. O problema com que me deparei nesta obra foi como actualizar, definir e sintetizar todas estas influências tendo em conta a realidade iniludível da modernidade.
A ideia deste livro é sintetizar ideias prévias, definir alguns conceitos claros e estabelecer uma série de questões novas que todos nós sentimos e que não foram interpretadas pelos mestres de pensamento da nossa corrente. Na prática, neste livro defino o paradigma identitário.

Traça a distinção entre nacionalismo e patriotismo. Porque é que é importante definir tais conceitos?
É fundamental que nos movamos com conceitos claros com os quais todos estejamos de acordo. Um deles é o patriotismo que tem que ver essencialmente com a ideia de Tradição. A “pátria” é a “terra dos pais”, liga com um passado que se quer projectar para o futuro. A nação, ao contrário, é outra coisa: é um conceito fundamentalmente moderno, não anterior à Revolução Francesa e que substitui o “reino”. Assim, como nos reinos antigos o poder estava nas mãos de uma aristocracia, na nação histórica é a burguesia que detém a hegemonia. Dito de outra maneira, a origem do nacionalismo é fundamentalmente liberal e burguês, referindo-se a uma ordem de ideias que tem que ver com os valores inerentes às revoluções liberais do século XIX.
Em cada país atribui-se um sentido diferente a estes conceitos. Em Espanha, por exemplo, quando se fala de “nacionalismo” está-se a falar de ideias de tipo regionalista que apareceram espacialmente na Catalunha, no País Basco e na Galiza. Em França, pelo contrário, a partir da escola da Action Française e da obra de Charles Maurras, o “nacionalismo integral” vem a ser uma forma de patriotismo. No entanto, é importante recordar que as palavras estão carregadas e podem ser perigosas: todo o pensamento deve ser “orgânico” e ter uma ordem de ideias perfeitamente encadeadas. Se aceitamos que a nação aparece onde a guilhotina corta a cabeça dos reis, temos que aceitar que uma coisa é a ordem liberal e outra é a ordem tradicional e a primeira tem como valores a Nação, o mercado livre, a burguesia, o republicanismo, enquanto que a ordem tradicional tem como valores a Pátria, a economia corporativa, a monarquia, etc. É muito perigoso inserir em cada elo da cadeia um elemento que pertence a outra, por isso prefiro referir-me ao patriotismo em vez de ao nacionalismo.

Em Portugal, quando nos referimos ao nacionalismo, é diferente?
Não, creio que não. Em cada país europeu há uma forma de chamar as coisas. O que me parece importante é que, seja qual for a palavra utilizada para definir uma ordem de ideias, esteja acompanhada de uma tomada de posição nítida. Por exemplo, é importante que quando um “nacionalista” define o seu projecto deixe claro que se trata de um projecto fundamentalmente antiliberal e antiburguês. Isto implica resgatar a palavra das garras de quem detém historicamente o monopólio da mesma e dar-lhe um conteúdo que está nos antípodas do conceito que tinha originalmente. Creio, definitivamente, que de uma forma ou de outra temos que estar de acordo quanto aos termos a utilizar na luta política e o conteúdo a atribuir a cada termo.

No seu livro fala também no enraizamento. É possível num mundo urbanizado?
A ideia do enraizamento foi teorizada inicialmente por Charles Maurras, cujo pensamento influenciou poderosamente a reconstrução do património doutrinal de todas as direitas nacionais europeias, especialmente dos monárquicos no início do século XX. Posteriormente foi incorporada no património da Nova Direita francesa na medida em que supunha uma modulação de um instinto que está presente nas espécies animais, especialmente nos mamíferos superiores: o instinto territorial que, basicamente, faz com que se tenha tendência a identificar-se com o local que se considera como próprio e a defendê-lo, especialmente porque se nasceu ali. É o que em França se chama “as pátrias carnais” e em Espanha se chama a “patria chica", é a terra natal. Explica por que sentimos mais ou menos atracção pela zona que nos viu crescer. Nas cidades esse sentimento é muito mais atenuado. Não é por acaso que uma velha tradição dizia que a primeira cidade foi construída por Caim. As cidades modernas converteram-se em colmeias massificadas, em monstros burocrático-administrativos com cheiro a gasolina e em que a capa de asfalto, para cúmulo, nos separa da terra natal. É indubitável que nas grandes cidades se destrói a ideia de enraizamento. Mas isto também tem implicações: é evidente que as nossas cidades são como são porque o factor especulativo, o mau ordenamento, conceitos urbanísticos obtusos, geraram verdadeiros monstros que progressivamente se vão tornando mais hostis e incómodos para os seus habitantes. Era preciso um novo urbanismo capaz de dar um rosto mais humano às cidades e que estas recuperassem a dimensão humana.

O nosso pior inimigo é a globalização?
Sim, sem dúvida. A globalização é o aspecto económico de um fenómeno mais amplo e anterior: o mundialismo, matriz doutrinal de que a globalização é a aplicação económica. Já no início do século XX aparecem algumas tendência “mundialistas” sempre nos contornos da maçonaria internacional. Há que dizer que a maçonaria foi o laboratório de ideias da burguesia laica, republicana e liberal. Já nos finais do século XX trabalhava com a ideia de “unificar a humanidade”. Esse projecto teve em 1945 um novo impulso até ao ponto que algumas correntes maçónicas considerarem a fundação das Nações Unidas como o inicio da “era da luz”. A partir de 1945 a soberania dos Estados nacionais ficou limitada face a uma entidade supranacional controlada durante 40 anos pelas duas superpotências. Quando caiu a URSS e depois da Guerra do Koweit afirmou-se que tínhamos chegado ao “fim da História”, ou seja, ao período onde não haveria conflitos nem contradições e que, por isso, não haveria História, havendo no seu lugar forças económicas que operavam a nível mundial e que contribuiriam para construir um “mundo feliz”. Hoje sabemos que a livre circulação de capitais levou directamente à globalização e a esta crise económica que é, ao mesmo tempo, a primeira da globalização e talvez seja a última: o capital açude à chamada de novos benefícios e ultrapassa fronteiras constantemente, passa de um país a outro, sem fixar-se em lado algum, sempre à espera de maiores expectativas de lucro. O resultado é a instabilidade económica internacional e a formação de “bolhas” que nascem, crescem, rebentam, semeiam a dor, a ruína e a crise em certas zonas do planeta, para transferir-se imediatamente a outras gerando o mesmo impacto. Resumindo, o grande inimigo do ser humano é, hoje, a globalização.

Como podemos combatê-la?
É evidente que a competição entre diferentes economias apenas é lícita e aceitável quando ambas têm as mesmas condições de vida, os mesmos níveis de desenvolvimento e o mesmo tipo de protecções sociais. Quando na Europa o salário médio é de mil euros (na Europa do Sul) e na China é de 175 euros é evidente que não há concorrência possível. A indústria de manufacturas mudará sempre para onde seja mais barato produzi-las: as economias europeias que não podem desvalorizar a moeda, o que fazem para “ganhar competitividade” são “desvalorizações sociais”, limitando e reduzindo os salários. Mas estes nunca alcançarão os níveis da China, muito menos os do Vietname (133 euros por mês), nem os de África (apenas 50 euros por mês)... Assim, para combater a globalização, o primeiro a fazer é um rearme tarifário. O segundo é criar zonas de livre mercado homogéneas, ou o mais homogéneas possível.

Como vê a crise actual? É uma consequência da globalização?
Sim, sem dúvida. Não creio que haja saída. Quando se resolver a crise na Europa (no próximo ano prevê-se um crescimento do PIB em Espanha e que a crise acabará com um crescimento reduzido), a crise rebentará no Brasil e noutras zonas da América do Sul e provocará a quebra brusca das importações da Europa, porá bancos europeus em dificuldades e voltará a aparecer no Velho Continente o fantasma da crise extrema. Creio que esta é a primeira grande crise da globalização, mas à medida que avança temo que também seja a última. Quem diz globalização diz instabilidade e não pode existir uma instabilidade permanente. Esta, antes ou depois, acabará por desintegrar o sistema económico mundial.

Não é apenas uma crise europeia. Como está a afectar outros países?
A crise actual começou nos EUA no Verão de 2007 e depressa contagiou a Europa. A livre circulação de capitais fez com que o contágio fosse especialmente rápido. Agora, o elemento central da crise foi o aparecimento de “bolhas”. A imobiliária e a do crédito foram as centrais. Os preços da habitação tinham subido excessivamente, construía-se mais do que se podia consumir e a um preço insuportável para as populações. Apesar disso, os bancos davam créditos fáceis porque acreditavam que o preço das casas continuaria a subir. Mas, de repente, tudo parou. A bolha rebentou. Os bancos ficaram descapitalizados e em bancarrota. Ora, este processo que se viveu no “primeiro mundo”, essencialmente na Europa e nos EUA, corre o risco de se reproduzir agora, exactamente com as mesmas características em países como o Brasil e outros da América do Sul. O capitalismo move-se sempre em busca de maiores benefícios e pouco lhe importa como se obtêm ou os ensinamentos de experiências passadas. O que importa é apenas o lucro imediato. Sim, a crise continuará nos próximos anos porque as exportações europeias para as zonas que proximamente se verão afectadas pelo rebentar de novas e sucessivas bolhas pararão bruscamente. E, quando a crise acabar na América Latina, rebentará na China. Não, não há qualquer possibilidade do sistema económico mundial sobreviver a estas crises sucessivas.

O sistema político actual tem alguma solução ou está submetido ao poder económico?
Creio que esta questão é o núcleo de todo o problema: a economia governa a política. Na globalização a democracia é uma ficção porque o capital é detido por estados maiores cada vez mais reduzidos. A política é luta, criação, destino. A economia é uma ciência auxiliar da política destinada a satisfazer as necessidades das pessoas, não o afã de lucro e de usura de reduzidíssimas elites económicas. É preciso não esquecer isto: enquanto a política não voltar a conter as mais enlouquecidas ambições dos senhores do capital, não há possibilidades de acabar com a crise. Agora, é evidente que os políticos actuais não têm capacidade nem formação, nem sequer interesse suficiente, de tomar as rédeas dos novos destinos das suas nações; isso apenas os verdadeiros estadistas são capazes de fazer e o que temos são pobres espertalhões, corruptos, incapazes, egomaníacos que constituem o essencial da classe política dirigente. Há que renovar esta classe política, forjar uma nova classe política que recupere o destino dos povos e imponha as directrizes políticas à omnipotência da economia.

Como vê a questão da imigração?
Creio que a imigração é uma ameaça contra a identidade europeia. Há duas ameaças geradas pela globalização: a deslocalização e a imigração maciça. Ambas têm como denominador comum a optimização dos rendimentos do capital.

Afirma que a família é a base da identidade. Há um ataque À família?
Qualquer sociedade articula-se em torno de uma comunidade básica. A tradição diz-nos que sempre foi em torno da família. Mas esta hoje está destruída. Gostava que houvesse um país europeu que aprovasse uma lei em defesa da família. Mas não espero nada nesta direcção, antes pelo contrário. A família era de tal forma tida como essencial que em Roma era considerada como uma instituição sagrada. Se olharmos para as orientações da UNESCO – matriz intelectual da globalização – veremos que os ataques à família são uma constante. E é a família a instituição em que se forja e transmite a identidade dos povos. Não é estranho que a UNESCO a considere como o principal inimigo a abater. Da mesma forma que nós a consideremos a primeira instituição a defender.

Entrevista de Duarte Branquinho publicada na edição de 8 de Outubro de 2013 do semanário O Diabo.

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