segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Os bons e os maus

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"O monopólio da bondade (jornal Público de 29 de Agosto) é o título da crónica de João Miguel Tavares sobre a permanência entre nós do espírito de guerra civil, apesar dos 40 anos de democracia.
A propósito dos comentários de alguns cronistas de esquerda que, por ocasião da morte de António Borges, partiram da denúncia ideológica das posições do economista para a sua desqualificação moral, Tavares conclui que, «enquanto um homem de direita olha para um homem de esquerda como um adversário político, demasiados homens de esquerda olham para demasiados homens de direita como inimigos a abater».
É coisa de que tenho alguma experiência dos tempos de faculdade, quando fazia parte de uma minoria resistente frente às maiorias associativas. Nessa altura de ‘muitos inimigos, muita honra’ não me incomodava e até achava estimulante. Hoje continua a não me incomodar, mas já não lhe acho tanta graça, até pela pobreza de espírito que revela.
É sabido que há causas ‘boas’ servidas por gente ‘má’ e gente ‘boa’ ao serviço de causas ‘más’, e que os nossos não são necessariamente bons nem os outros necessariamente maus. Mas alguma esquerda, por cinismo, fanatismo ou burrice (também há burros do lado de lá, graças a Deus) persiste nesta obsessão maniqueísta. Para eles, há ideias intrinsecamente perversas (todas as que não vêm na cartilha), e os que as perfilham — nacionalistas, conservadores, liberais — são inevitavelmente indivíduos tacanhos e de má rês, exploradores perversos e desumanos.
De onde vem este complexo, este demónio da rectidão da esquerda façanha? De Rousseau e da vontade geral, ou de Robespierre, o da virtude pela guilhotina? Imitam Lenine e os bolcheviques, ou Estaline e os cúmplices que exterminou? Inspiram-se nos anarquistas e comunistas espanhóis que mataram sete mil padres ou, mais recentemente, nos maoístas e Khmers Vermelhos? Toda esta gente proibiu, encarcerou, matou, massacrou, fez campos de concentração, sempre em nome de grandes e nobres princípios, da mesma compaixão e solidariedade, que, segundo agora dizem, faltavam a António Borges.
Estes intelectuais e articulistas não mataram nem matam ninguém, mas eles e os seus homólogos europeus foram celebrando à distância, do alto do cachimbo e da eterna camisa à pescador, essas grandes vitórias da humanidade.
Só discordo de João Miguel Tavares quando diz que tudo isto é falta de democracia: os ‘democratas’ portugueses sempre entenderam, desde a Primeira República, a democracia como o governo dos democratas. E democratas, para eles, são eles, os antifascistas. Só eles e mais nenhuns."

Jaime Nogueira Pinto
in "Sol", 6 de Setembro de 2013.

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