quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Um francês europeu

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"Zeev Sternhell trouxe uma nova visão do fascismo. O historiador israelita insistiu nas raízes ‘francesas’ da ideologia fascista, a partir de uma série de pensadores e homens de acção dos finais do século XIX, princípios do século XX. Para Sternhell foram eles quem lançou os fundamentos pensantes do movimento que viria a cristalizar na Itália em 1922, com Mussolini e a Marcha sobre Roma e depois a estender-se à Alemanha e à Europa.
Para Sternhell, a originalidade do fascismo foi juntar numa mesma concepção do mundo e da vida as duas grandes revelações ideológicas da segunda metade do século XIX — o nacionalismo e o socialismo.
Desta síntese foram pioneiros em França, Georges Sorel, Édouard Drumont, Maurice Barrès e políticos como Paul Déroulède e o general Boulanger. Mas, apesar da multiplicidade de pensadores, movimentos, siglas e organizações — de antigos combatentes, de operários, de burgueses, de escritores — em França o fascismo não triunfou.
Também por isso, a França é um laboratório interessante das ideias fascistas, que na ausência da institucionalização aqui surgiram e se mantiveram em estado puro, permitindo uma análise quimicamente mais rigorosa.
A França foi também o país do ‘fascismo dos escritores’. No quarto de século que vai do fim da Grande Guerra ao fim da Segunda Guerra Mundial, uma série de intelectuais, incluindo romancistas de primeira ordem, cruzou-se com a ‘tentação fascista’. E vários sucumbiram. Foi o caso de Louis Ferdinand Céline, de Pierre Drieu La Rochelle, de Robert Brasillach; e, próximos, de Paul Morand, Jacques Chardonne, Lucien Rebatet.
De todos o mais interessante e paradigmático foi Drieu. Nascido em 1893 numa família de classe média, combateu na Grande Guerra, conviveu com os surrealistas, levou uma vida mista de café-society, círculos literários e jet set, de dandy e de político. E nos anos trinta aderiu ao fascismo, numa perspectiva internacionalista e pan-europeia.
Com a guerra e a ocupação alemã, Drieu procurou servir de ponte entre os seus compatriotas e os vencedores, assumindo um papel central na chamada colaboração intelectual, como director da famosa NRF e nas iniciativas da política cultural na Nova Europa.
Paralelamente a esta sedução da política, foi deixando uma obra literária — romance, conto, ensaio, teatro, poesia — desigual, mas com alguns títulos notáveis. Gosto sobretudo das narrativas dos da sua última fase, como L’Homme à Cheval, Mémoires de Dirk Raspe e Les Chiens de Paille.
Mas os seus clássicos, Rêveuse Bourgeoisie e Gilles, são obras importantes para o entendimento da França e da sociedade francesa no século XX e dos próprios perfis e modelos do fascismo francês. Como o seu extraordinário Diário, um texto essencial para a compreensão da época.
Drieu é um homem só, sem grupos. Ao contrário de Brasillach, o narrador das grandes amizades político-literárias, o seu itinerário é singular, as suas decisões tomadas numa espécie de crispação permanente. Sem nunca abandonar a lucidez e mantendo uma visão crítica das suas próprias ideias e convicções, está obcecado em ir até ao fim, aos limites da coerência nas suas opções.
A derrota da Alemanha e do Eixo trouxe a condenação moral e material daqueles que, em França, se tinham lançado na colaboração e não tinham arrepiado caminho a tempo. E não quiseram sair para os países neutros benevolentes como a Espanha e a Suíça.
Drieu foi dos que ficou. A saída que escolheu no desastre foi a saída voluntária da vida: tentou a primeira vez o suicídio em Agosto de 1944, nos dias de Libertação de Paris. Salvaram-no as suas três mulheres — as duas primeiras de quem estava separado. A última conseguiu esconderijo e sobrevivência durante o Inverno de 1944-45 em que ainda escreveu e completou alguns dos últimos textos.
Em 15 de Março de 1945, partiu definitivamente."

Jaime Nogueira Pinto
in "Sol", 10/8/2011.

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