quinta-feira, 5 de maio de 2011

Dourados

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"Em períodos de crise há sempre quem traga à baila a memória das reservas de ouro. É como quem lembra os ensinamentos de outrora para enfrentar o futuro. Um bom princípio que devia continuar a nortear-nos.
Mas as coisas mudaram muito. Passámos do ouro, que é como quem diz de um hábito de poupança, para o dourado, ou seja os cartões de crédito e toda uma facilidade generalizada de endividamento.
Esses rectângulos plásticos que hoje substituem as notas nas carteiras dos portugueses internacionalizaram-se nos anos 80 do século passado, mas foi na década seguinte que a sua utilização se generalizou. Com a massificação do consumo e o acesso cada vez mais facilitado a empréstimos para tudo o que se possa imaginar. Desde a casa ou o carro ao telemóvel de último modelo, passando pelas férias nos destinos paradisíacos em voga. No mundo materialista de hoje mais vale ter que ser.
Vi há tempos noticiado que muitos portugueses, vendo a sua vida num aperto financeiro, preferiam cortar nos medicamentos e na alimentação do que na televisão por cabo ou no telemóvel. Parece que preferimos continuar a ser dourados do que voltar a ser ouro. Ainda por cima numa altura em que tudo começa a ruir. Em que a festa acabou e alguém pôs a conta – dolorosa – na mesa. Tudo se paga e quanto mais tarde, mais caro.
Presos às nossas dívidas, aos nossos caprichos materiais que agora servem de afirmação social, que se tornaram verdadeiras “necessidades” de primeira, vivemos presos numa gaiola, também ela dourada."

Duarte Branquinho
in "O Diabo", n.º1791, 26 de Abril de 2011.

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