sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Um Portugal não tão distante como isso

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«Foi logo a seguir ao 25 de Abril. O Rocha, meu condiscípulo de liceu, tinha um tio quarentão que levava uma vida de playboy (a possível para esses meados dos anos 70 em Portugal), graças a uma herança e a ter feito dois "13" no Totobola.

O tio do Rocha era um role model, um ícone, uma referência para todos nós. Vivia de pingues rendimentos, deitava-se à hora a que queria e levantava-se depois do almoço, era tu cá, tu lá, com os jogadores do Benfica, vestia com gosto e andava sempre muito bem acompanhado no capítulo feminino, ia para o estrangeiro quando lhe apetecia e era o invejado dono de um reluzente Mustang e de um deslumbrante Porsche. Toda a gente o conhecia e era popularíssimo no bairro central de Lisboa onde vivia, e ele tinha sempre uma palavra, um cumprimento, uma graça para todos no bairro,

Um dia, o sr. Rocha não saiu à rua. Ninguém estranhou. Ao segundo dia de ausência, as pessoas começaram a achar estranho. Estaria doente? Teria ficado fechado dentro de casa? Teria ido viajar num impulso, como às vezes fazia?

Ao terceiro dia sem o sr. Rocha a tomar a bica ao balcão do café da rua e a cavaquear com moradores e comerciantes, um grupo de vizinhos, o barbeiro do sr. Rocha, o dono do café, um empregado e o polícia de giro arrombaram a porta e foram encontrá-lo nu, semi-inconsciente e coberto de sangue na casa de banho. Tinha escorregado a sair do duche, partido uma perna e fracturado a cabeça. Foi a jacto para o hospital e salvou-se.

Isto aconteceu numa Lisboa e num Portugal não tão distantes de nós como isso. Mas muito, muito diferentes.»

Eurico de Barros
in Diário de Notícias, 12 Fevereiro 2011.

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